Talvez nós devêssemos brigar com a catalogação sim...



Enfim, chegamos à última parte da nossa série sobre a disciplina de IRDI. 

Cês lembram que na primeira postagem, falei sobre o livro da Eliane Mey, muito popular entre bibliotecários: "Não brigue com a catalogação"? Bem, no 2º período da graduação em Biblioteconomia na UFF, a disciplina Instrumentos de Representação Descritiva animou boa parte da turma. 

O professor Vinícius Tolentino (UniRio) e a tutora Patrícia Gross quase sempre citavam esse livro, e eu pensava:

"Gente, por que eu brigaria com a catalogação?"
(hahaha… mal sabia eu o que estava por vir!) 

Depois de passarmos pela história da catalogação, seus objetivos e exercícios de ISBD, entramos de cabeça nos códigos, nas regras e nos modelos conceituais. Aqui vai o resumo do caos organizado que foi esse processo.

| Bora Resumir, more? 

A representação descritiva da informação consiste em descrever e interpretar o conteúdo de um documento: autor, título, edição, local, formato, etc. O objetivo central é vincular as mensagens dos itens às necessidades informacionais dos usuários, garantindo acesso. Já adianto que, o mundinho da catalogação é feito de muitas siglas e conceitos.

 ISBD (International Standard Bibliographic Description / Descrição Bibliográfica Internacional Normalizada) é uma norma desenvolvida pela IFLA para descrição de documentos. A ISBD Consolidada (norma atual) reúne todas as edições em um único documento, harmonizada com conceitos do FRBR. A ISBD fornece instruções para criar registros/fichas catalográficas e facilita o intercâmbio internacional de informações.

 AACR/AACR2 (Anglo-American Cataloging Rules / Código de Catalogação Anglo-Americano) é o código de catalogação que reúne regras para a criação de descrições bibliográficas e para a escolha e atribuição de pontos de acesso. A AACR2, publicada em 1978, unificou as regras americanas e inglesas e adotou a pontuação prescrita pela ISBD, fortalecendo a padronização do registro bibliográfico. Além disso, ela subsidiou o tratamento da informação, utilizando um modelo de catalogação baseado no suporte físico da obra.

Seguindo os Princípios da Declaração de Paris* (1961), o AACR2 tornou-se referência mundial, incorporando os padrões da ISBD e estabelecendo diretrizes consistentes que contribuíram significativamente para a padronização internacional da catalogação.

Os Princípios de Paris estabeleceu a base para a normalização internacional da catalogação bibliográfica, visando unificar as regras de criação de catálogos de bibliotecas.

 RDA (Resource Description and Access / Descrição do recurso e acesso) foi criado para substituir o AACR2 e se adaptar ao ambiente digital. Ele está profundamente ligado aos modelos conceituais, especialmente o FRBR. Os dados catalogados segundo a RDA podem ser codificados em MARC 21, o mesmo usado para AACR2 (o que facilita a migração). 

| Formatos de Intercâmbio 

 MARC/MARC 21 (Machine Readable Cataloging / Catalogação Legível por Máquina) é o padrão internacional usado para catalogar e trocar dados bibliográficos em um formato que os computadores conseguem ler. 

A ideia é automatizar o processamento técnico e facilitar a troca de registros entre diferentes sistemas. Basicamente, é um jeito de estruturar as informações do catálogo para que os sistemas entendam tudo direitinho e “conversem” entre si. No Brasil, o padrão utilizado atualmente é o MARC 21, que surgiu da fusão do USMARC com o MARC canadense, lá em 1999.

É composto por três elementos principais:

01. LÍDER: as 24 primeiras posições de um registro. Contém informações que possibilitam o processamento.

02. DIRETÓRIO: uma série de entradas de tamanho fixo (12 posições), que apresenta a TAG (etiqueta de campo), tamanho do campo e sua posição inicial.

03. CAMPOS VARIÁVEIS: organizados em campos identificados por uma TAG de 3 campos numéricos. 

> TIPOS DE CAMPOS VARIÁVEIS:

  • CAMPOS DE CONTROLE (0XX): não contém indicadores, nem subcampos.
  • CAMPOS DE DADOS (X00 À 9XX): contém informações descritivas e pontos de acesso. Apresentam designação de conteúdo. 
    • INDICADORES: as duas primeiras posições no campo de dados variáveis, representados por um caractere numérico ou alfabeto minúsculo. 
    • CÓDIGO DE SUBCAMPOS: representados por 2 caracteres (numérico ou alfabético minúsculo) que distinguem informações dentro do campo precedidos pelo delimitador $.
BLOCOS DE CAMPOS DO MARC - ESTRUTURA GERAL:
0XX — Números e códigos de controle
1XX — Entrada principal
2XX — Título, edição, impressão (informação de publicação)
3XX — Descrição Física
5XX — Notas
6XX — Entrada

 CCF (Common Communication Format / Formato Comum de Comunicação) foi desenvolvido por especialistas da UNESCO com objetivo de facilitar a comunicação de dados entre setores da área de informação.

Estrutura:

• Etiqueta de Registro (24 caracteres) 
• Diretório (14 caracteres por campo) 
• Campos (com indicadores e subcampos) 
• Separador de Campo

| Modelos Conceituais

As transformações na área exigiram novas estruturas para pensar dados, relacionamentos e tarefas dos usuários. É aqui que entram FRBR, FRAD e FRSAD.

• O FRBR (Functional Requirements for Bibliographic Records) é um modelo conceitual desenvolvido pelo grupo de rstudos da IFLA entre 1992 e 1995, com publicação do relatório final em 1998. Ele foi criado para relacionar os dados presentes nos registros bibliográficos às necessidades dos usuários, mostrando como essas informações podem ser estruturadas para apoiar as tarefas de busca, identificação, seleção e obtenção de recursos.

01. Encontrar  02. Identificar  03. Selecionar  04. Obter

Ele possui 10 entidades, divididas 3 grupos:

> Grupo 1 • Produtos intelectuais / artísticos (OEMI):

• Obra: a criação intelectual (ex.: Dom Casmurro)
• Expressão: a realização intelectual (ex.: texto, música)
• Manifestação: a materialização (ex.: livro impresso, PDF)
• Item: o exemplar específico (ex.: exemplar autografado)

> Grupo 2 • Agentes responsáveis: Pessoas e entidades coletivas.
Grupo 3 • Assuntos: Conceito, objeto, evento e lugar.

O FRBR não é um formato, mas um modelo conceitual que define vocabulário e estrutura para sistemas e catálogos.

• FRAD (Functional Requirements for Authority Data) é uma extensão do FRBR, voltado para dados de autoridade (nomes, identificadores, pontos de acesso e suas justificativas). Seu objetivo é relacionar atributos das entidades para facilitar a busca e fortalecer os registros de autoridade.

Ele também identifica duas classes de usuários:

01. Criadores de dados de autoridade
02. Usuários que consultam informações de autoridade

Tarefas do usuário no FRAD:

01. Encontrar  02. Identificar (validando a forma do nome) 

duas tarefas exclusivas para quem cria registros:

03. Contextualizar: situar uma pessoa, entidade coletiva ou obra no seu contexto (ex.: nome religioso vs. nome civil). 04.  Justificar: documentar a razão pela qual um nome ou forma do nome foi escolhida como ponto de acesso.

Entidades adicionais (além das 10 do FRBR):

• Família
• Nome
• Identificador
• Ponto de acesso controlado
• Regras
• Agência

• FRSAD (Functional Requirements for Subject Authority Data) aprofunda os dados de autoridade de assunto, ampliando o Grupo 3 do FRBR. Ele permite que os vocabulários controlados se integrem aos sistemas de recuperação da informação, melhorando a busca por assunto.

Tarefas do usuário no FRSAD:

01. Encontrar  02. Identificar  03. Selecionar  04. Explorar: compreender relações entre assuntos e suas denominações, navegando por estruturas de conhecimento.

Entidades centrais do FRSAD:

• Thema: qualquer entidade usada como assunto de uma obra
• Nomen: qualquer forma (nome, termo, símbolo, código) pela qual o thema é conhecido
• Atributos: Incluem tipo de thema e nota de escopo, que define o termo dentro de um sistema de autoridade.

| A briga com a catalogação

IRDI é a primeira disciplina em que temos um contato mais direto com a catalogação, então tudo isso fica naturalmente debaixo desse grande guarda-chuva. É complexo porque exige que a gente entenda conceitos, fundamentos, códigos, modelos… e, ao mesmo tempo, não perca de vista o mais importante: os usuários.

Ao longo do tempo, percebemos que os instrumentos mudam (no Brasil, já adotamos o Código da Vaticana, o Código ALA, o AACR) e é justamente por isso que precisamos focar nos fundamentos. Nem sempre o novo instrumento vai seguir o mesmo padrão do anterior, e isso pode deixar tudo ainda mais confuso no início.

No fim das contas, tentar concatenar tudo isso de uma vez assusta mesmo. Mas a verdade é que grande parte desse processo só ganha sentido na prática, quando começamos a aplicar, errar, acertar e entender como cada peça se conecta.

📚 Fontes e leituras complementares:

ALBUQUERQUE, Maria Elizabeth Baltar Carneiro de. Instrumentos de representação descritiva da informação. Brasília, DF: CAPES : UAB; Rio de Janeiro, RJ: Departamento de Biblioteconomia, FACC/UFRJ, 2018.

O que é Representação Descritiva | Naira Silveira
https://www.youtube.com/watch?v=Bj0XM42QSuk

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